sábado, 10 de março de 2012

Meu primeiro assassinato


As contas do começo do ano logo viriam bater a minha porta e dessa vez, mais altas do que nunca antes eu já paguei. Por outro lado, eu havia trabalhado longas horas esse mês, era de esperar um salário que seria pelo menos o dobro do que eu recebia antes. Mais não, logo vi via internet o meu contra cheque e como assim, R$800,00? Isso não pagaria nem a fatura do cartão de crédito, o que dirá as outras coisas. Mesmo assim veio a ordem, precisa trabalhar mais aquele turno. Mas e o meu salário? O que importa, se não trabalhar não recebe, disse alguém. E daí que eu tivesse trabalhando e recebendo parcialmente o que me fosse de direito? Fiquei puto, fui trabalhar e quis mandar todo mundo ir à merda.
Durante a noite não dormi nada, fiquei pensando na cara dele querendo se vingar de mim. Deve que dormia feliz, com um bom sono porque sabia que havia ter me coagido. Nem adiantaria eu contar algo a alguém, ele também já havia cooptado todo o resto ao favor dele. Ético? Jamais, e a gente fica pensando nela e na falta que ela faz. A solução seria ir embora do país, ir para algum lugar mais sério. Mas e ele? Ficaria lá, numa boa por mera vingança posando ainda de heróis para os analfabetos que gostam dele? A raiva não passava e dormi mal.
Logo pela manhã, ao sair, verifiquei o volume na caixa de correio e lá estavam os primeiros boletos. Santa Virgem Mãe de Deus, as contas vieram mais altas do que nunca e o salário na conta não faria nem cócegas naquele molho de papéis. Pensei, quem sabe eu vendo meu corpo, tem muita gente que deseja dele usufruir, valeria alguns trocados, colocaria algumas contas em dia e quem sabe também eu me divertiria. Loucura, eu não fico com qualquer pessoa, imagina ter que fazer análise de crédito e demais atributos para deixar que alguém me possua?
Quando cheguei ao trabalho, consolou um pouco saber que não só eu, mas vários outros colegas também foram lesados por causa daquele viado, filho de uma puta arrombada, que é isso que ele é. Ele e aquele pau mandado dele. Ai que irritação e todo mundo sem saber o que fazer? Hein, e as instituições deste país? Ah é, elas não valem nada e um sujeito daquele só fez isso com a gente porque pensou que iria escapar ileso. Trabalho irritado, pensando o tempo todo no maldito do salário? E se eu ligasse para os meus credores e explicasse a situação, refinanciasse as dívidas? E se eu fosse à televisão ou ao rádio, ou quem sabe aproveitasse as redes sociais? Porém a televisão e o rádio acham que o que aquele cachorro e trombadinha fez algo correto.
Os dias passando, a raiva aumentando conforme chegavam os novos boletos e suas cifras enlouquecedoras. Aquilo será pressão psicológica? Alguém deve ter lido a Arte da Guerra ou O Príncipe e estava fazendo tudo aquilo de propósito para controlar a mim e aos colegas pelo medo. Deveria fazer alguma coisa, ah sim, isso é verdade. Mas o que eu deveria fazer? Vejamos.
Liguei para a sala dele e disse que para a secretária que eu era o assessor de um amigo de infância e colega de profissão, de outro estado é claro. Inventei uma história cafona, até bonita, pena ser mentira e para a minha surpresa e sorte, a bobona da secretária acreditou e me passou o endereço exato da casa dele. No final de semana fui a casa do meu avô, uma sítio, fui até o celeiro e vasculhei umas prateleiras altas, achei uma caixa de metal e ela estava lá, escondida, desde o meus 14 anos, que foi quando meu avô me mostrou o que era e onde a guardava. Não queria que ninguém visse ou soubesse daquilo, usasse somente, quem sabe em um estado de sítio. Tudo bem.
Na segunda feira, durante a tarde, inventei uma dor de cabeça, peguei um atestado médico e liguei avisando que não compareceria no turno da noite. Às seis horas da tarde fui à sua casa, numa rua bucólica de um bairro clássico de Goiânia, logo o vi virando a esquina e me escondi atrás de um cinematográfico arbusto do vizinho. Ele se aproximou do portão, enquanto procurava as chaves naquela pasta cheia de documentos imorais, me aproximei tão silenciosamente como um gato de rua em busca de uma barata de esgoto. Seus olhos ficaram arregalados, quando lhe encostei a revólver e disse para não fazer escândalo algum, abrir o portão e entrarmos sutilmente. Ele, que sempre soube que entre ele e eu existia uma diferença de poder gigantesca, tanto é que ele aproveitou disso para me chamar de vagabundo e me fazer dever à praça, obedeceu e com movimentos lentos, mas aflitos, abriu o portão, entrou junto comigo e o fechou.
O portão trancado, afastei-me e o mandei seguir e abrir a casa, ele foi até a porta dos fundos e abriu. Entramos pela área de serviço, abrimos a porta da cozinha, arrumada e limpa, com algumas panelas de aço sobre a pia. Devo ser sincero e confessar que naquele momento pensei em me arrepender, parar com tudo aquilo e dizer que eu só queria conversar, aquela cara de queijo branco era de cortar o coração. Bem, mas me lembrei que aquilo era uma cascavel como diz a cultura popular, um lobo em pele de cordeiro, que me agradeceria pela piedade, diria que me ajudaria, mas que no entanto logo daria um jeito de mandar a polícia me pegar, fazer todo um terror psicológico em minha cabeça e me matar assim como em Tropa de Elite.
Tropa de Elite, terror psicológico, barganha, medo? Tive uma ideia! Mandei-o parar sua marcha fúnebre, caso contrário soltaria o gatilho e a munição entraria diretamente pelo cérebro dedicado à maldade dele. Vi aquelas lindas panelas de teflon da Tramontina e disse que ia atirar, puxei o gatilho e derrubei várias delas no chão fazendo um barulho enorme. Ele se imaginando ferido fatalmente se jogou ao chão para viver seus últimos momentos em agonia. Oh, que dó, que dó, que dó, que dó! Chutei-lhe os cocos e mandei sentar-se na mesa cozinha de frente para mim. Ele me olhou e começou a falar, para conversarmos, tentar se justificar pelo injustificável! Joguei um copo de vidro na cabeça, que lhe deixou uma mancha roxa e ligeiramente tonto, e mandei calar a boca!
Com a arma ainda apontada para ele olhei em volta, aquela decoração da classe média alta, ou seja, fingindo ser erudita e cult. Mandei-o o levantar e me mostrar a casa. Ele foi andando a frente, evidentemente, me falando sobre os retratos de família, sobre as lembrancinhas de casamentos, batizados, formaturas e inaugurações de hipermercados. O telefone e tocou e pediu para que atendesse com naturalidade, coloquei o revolver em sua cabeça e ele começou a falar com sua afilhada calmamente e dizendo que depois lhe levaria um bombom, mas que naquela hora estava muito ocupado. Desligou o telefone e me senti meio que em um filme de Tarantino, eis que começo a assoviar The Killer Song.
Subimos para o andar de cima, ao passar pela escada perguntei-lhe se já havia assistido Senhora do Destino. Disse-me que era culto, não gostava de cultura de massas, que dava valor ao conhecimento em detrimento da alienação. Retruquei perguntando se é valor ao conhecimento quem corta salário de professor por pura vingança.
Entramos em seu quarto, vários travesseiros importados enchidos com penas de ganso, presente dos amigos importantes. Mandei que calasse a boca de um jeito pseudo-sereno, senti o meu sangue ferver! Abri a penteadeira, quanto perfume caro, peguei o Hugo Boss e disse “Beba isso!”. Ele me perguntou porque e eu apenas olhei para o frasco e para o rosto dele depois! Ele bebeu até que vomitou o perfume e tudo mais que estivesse em seu estomago. Após recuperar o fôlego me disse que viu em uma novela da Glória Perez uma menina viciada em drogas bebendo perfume em uma crise de abstinência (será que ele estava falando da Mel de O Clone?). Achei contraditório alguém que não gosta de novela falar a respeito de uma.
Veio-me o clipe de Rolling In The Deep na cabeça, pensei que seria divertido jogar pratos contra a parede, mas ao invés disso, jogar os perfumes dele contra a parede. Então comecei a jogar aqueles frascos italianos, franceses, ingleses cantarolando a parte do back vocal que diz sobre desejar nunca ter conhecido o eu lírico da musica da gordinha inglesa. Olhei para sua cara de tédio enquanto segurava um Yves Saint Laurent e disse-lhe para ficar na parede na qual eu projetava aquelas fragrâncias deliciosas. Ele disse me por favor como se fosse um oriental nos filmes do Jack Chan e respondi dizendo apenas que minha paciência estava acabando. Juro que até pareceu ensaiado quando o vizinho colocou Rolling In The Deep para tocar bem alto enquanto eu lhe fazia chorar com a dor, o terror, a aflição e os sangramentos intensos. Falando assim parece que não foi desumano, mas foi! E o melhor de tudo é que o álcool dos perfumes lhe fazia arder os sangramentos.
Cansei-me daquilo. Parei e fiquei olhando os travesseiros! Pulei em pé sobre a cama e comecei a rasgar tudo cantando sobre os dias de cão enquanto ouvi mentalmente Florence and The Machine. Ele saiu correndo pela porta, fui atrás no mesmo instante e o vi descendo as escadas, até o momento que tropeçou e terminou seu trajeto rolando. “Lá lá lá uei lerê lereiiii, lá lê lerê lerei, é a vida deste meu lugar é a vida”. Parei no alto da escada, apontei lhe a arma enquanto eu o via gemendo de dor e falei sobre a música de abertura de Senhora do Destino, novela na qual Nazaré Tedesco matava seus inimigos derrubando-os na escada.
Desci e outra vez cantarolei Encontros e Despedidas. Perguntei-lhe onde estava o Dorflex e ele me respondeu que na cozinha. Mandei ficar de pé se não houvesse quebrado nada. Fiz assim para lhe dar alguma esperança. Ele levantou-se e mandei subir a escada e ele perguntou sobre o Dorflex, respondi que ele não precisará mais. Ele subiu e eu logo atrás. Disse-me que precisava ir ao banheiro, como se eu não tivesse desconfiado que ele temia que eu o derrubasse na escada. Ele entrou no banheiro e eu fui logo atrás. Olhamos juntos o espelho, ele abriu a torneira, fechou os olhos ensanguentados e dei-lhe uma coronhada na cabeça. Ao desequilibrar-se, bati a cabeça dele quatro vezes no espelho do lavatório, na segunda e quarta consegui danificar o nosso reflexo, além de seu rosto mais do que nunca. Parei para respirar e quando ele abriu a boca para me dizer algo acertei-lhe o nariz na torneira de R$1200,00 comprada na Leroy Merlin, conforme disse-me um conhecido que temos em comum. Dentro da bacia do lavatório notei três fragmentos brancos, eram dois incisivos e um canino.
Parei para respirar, nunca havia feito aquilo e sentia um misto de ódio efervescente, desses que queima todo nosso corpo tamanha a ira, com felicidade porque não sabia que coisas de filme e novela pudessem dar tão certo. Olhei para o vaso sanitário e disse que lhe daria uma aula de Geografia ao explicar sobre o Efeito de Coriolis. Ele estava quase desacordado arrastei-lhe até a beirada do vaso e bati-lhe a testa na quina. Ele conseguiu segurar-me pelos cabelos, enfiei sua cabeça dentro da louça, apertei da descarga e vi o azulado do desinfetante tornar-se roxo devido o sangue vermelho que ia surgindo por ali. Meus cabelos doíam muito, mas permaneci firme por segundos, até a hora que ele realmente começou a lutar pela vida! Puxei-lhe e bati sua cabeça outra vez, desta vez na parede. Afastei-me, peguei a chave do banheiro, a arma e o tranquei naquele ambiente. Atirar nele definitivamente eu não teria coragem, mas deveria matá-lo logo.
Desci até a cozinha, peguei algumas das panelas, enchia-as de água e levei-as ao fogo. Procurei na área de serviço algo que pudesse amarrá-lo, no entanto não existia. Peguei uma faca e cortei os varais, feitos com cordas de nylon. Peguei um pano de prato na cozinha e subi com as cordas para o banheiro, cuidadosamente destranquei a porta, ele estava no chão, havia sujado inclusive as toalhas Buddemeyer com seu sangue corrupto, vingativo e nojento do sudoeste de Goiás. Estava fraco e agonizando.
Embora tivesse levado vários golpes, um deles me deixou o nariz sangrando, consegui amarrar-lhe as mãos e os pés e amordaçar lhe. Arrastei para fora dali, usando as técnicas de imobilização que aprendi no curso de primeiros socorros, levei-o até o topo da escada, de onde o joguei, a despeito de seus grunhidos de dor e desespero. Diz o ditado que vaso ruim não quebra, e realmente não quebra. Ele permanecia vivo e respirando. Novamente o arrastei até a cozinha.
Parei, sentei-me na cadeira. Olhei tudo e volta e pensei que estivesse louco e em um pesadelo. Como assim, eu matando uma pessoa? Eu seria preso, não porque este país é justo, mas sim porque matei o colega dos meus algozes porque esse tal colega ter me filha da putado. Lembrei-me do contra cheque, das suas falas na televisão, dos jornalistas comprados por ele. Vagabundo. Joguei as panelas com água quente sobre o seu corpo e ele grunhia, gritava, debatia, fugia feito um minhôco para longe de mim e daquela água efervescente do chão. Em vão, pois eu lhe fazia um franco pele vermelha derrubando a calda a 100° C. A água acabou, sua pele estava bem vermelha e ele conseguiu me xingar de viado.
Fui à área de serviço e enchi uma bacia com água, o arrastei até ali e ele parou de se mexer. Acho que teve um desmaio, aproveitei e enfiei a cabeça dentro da água e vi sair bolhas de ar de sua boca ensanguentada. Continuei, ele voltou a se debater e eu me mantive forte, segurei sua cabeça continuamente dentro da água por uns dez minutos, mesmo após ele não se mexer e nem sair mais bolhas. Pensei então, missão cumprida. Mas lembrei-me que ele me chamou de viado, abri-lhe a calça e assim como em Tropa de Elite eu enfiei a vassoura e também o rodo, o esfregão e a pá de lixo, juntos! Fui ao jardim e para fechar com chave de ouro, eu trouxe a mangueira, enfiei no conjunto e abri a torneira fazendo lhe uma chuca permanente.
Revirei seu quarto, procurei os dólares, os euros, o dinheiro, joias e relógios, tomei um banho. Peguei minhas coisas e fugi em seu carro até uma cidade da fronteira, localizada no estado vizinho. Abandonei o carro, viajei de ônibus até Chile, atravessando o Paraguai. Em Santiago embarquei para Madrid, comprei um notebook e viajei no dia seguinte para Pequim, de onde embarquei para onde estou atualmente, o Tibet. Como já estou ciente que Interpol virá me buscar, amanhã mesmo me mando daqui e escrevo uma carta para a Anistia Internacional suplicando proteção.








P.S.: É evidente que isto é uma obra de ficção, mal feita diga-se de passagem. Mas uma maneira de expelir meu ódio e minha indignação pelo secretário da educação de Goiás, Thiago Peixoto, e o governador do estado, Marconi Perillo, a minha vítima, terem cortado meu ponto por uma greve que é justa e legal e que por isso a lei proíbe corte salariais. Isto, portanto, é uma obra de humor e prefiro que permaneça assim. 

Um comentário:

  1. caraca! mal escrito? claro q eu sabia ser uma ficção, mas a cada linha a tensão aumentava ... muito bom cara ... muito bom mesmo...

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