As contas do começo do ano logo viriam bater
a minha porta e dessa vez, mais altas do que nunca antes eu já paguei. Por
outro lado, eu havia trabalhado longas horas esse mês, era de esperar um
salário que seria pelo menos o dobro do que eu recebia antes. Mais não, logo vi
via internet o meu contra cheque e como assim, R$800,00? Isso não pagaria nem a
fatura do cartão de crédito, o que dirá as outras coisas. Mesmo assim veio a ordem, precisa
trabalhar mais aquele turno. Mas e o meu salário? O que importa, se não trabalhar
não recebe, disse alguém. E daí que eu tivesse trabalhando e recebendo
parcialmente o que me fosse de direito? Fiquei puto, fui trabalhar e quis
mandar todo mundo ir à merda.
Durante a noite não dormi nada, fiquei
pensando na cara dele querendo se vingar de mim. Deve que dormia feliz, com um
bom sono porque sabia que havia ter me coagido. Nem adiantaria eu contar algo a
alguém, ele também já havia cooptado todo o resto ao favor dele. Ético? Jamais,
e a gente fica pensando nela e na falta que ela faz. A solução seria ir embora
do país, ir para algum lugar mais sério. Mas e ele? Ficaria lá, numa boa por
mera vingança posando ainda de heróis para os analfabetos que gostam dele? A
raiva não passava e dormi mal.
Logo pela manhã, ao sair, verifiquei o volume na
caixa de correio e lá estavam os primeiros boletos. Santa Virgem Mãe de Deus, as
contas vieram mais altas do que nunca e o salário na conta não faria nem cócegas
naquele molho de papéis. Pensei, quem sabe eu vendo meu corpo, tem muita gente
que deseja dele usufruir, valeria alguns trocados, colocaria algumas contas em dia e quem
sabe também eu me divertiria. Loucura, eu não fico com qualquer pessoa, imagina
ter que fazer análise de crédito e demais atributos para deixar que alguém me
possua?
Quando cheguei ao trabalho, consolou um pouco
saber que não só eu, mas vários outros colegas também foram lesados por causa
daquele viado, filho de uma puta arrombada, que é isso que ele é. Ele e aquele
pau mandado dele. Ai que irritação e todo mundo sem saber o que fazer? Hein, e
as instituições deste país? Ah é, elas não valem nada e um sujeito daquele só
fez isso com a gente porque pensou que iria escapar ileso. Trabalho irritado,
pensando o tempo todo no maldito do salário? E se eu ligasse para os meus
credores e explicasse a situação, refinanciasse as dívidas? E se eu fosse à
televisão ou ao rádio, ou quem sabe aproveitasse as redes sociais? Porém a
televisão e o rádio acham que o que aquele cachorro e trombadinha fez algo
correto.
Os dias passando, a raiva aumentando conforme
chegavam os novos boletos e suas cifras enlouquecedoras. Aquilo será pressão
psicológica? Alguém deve ter lido a Arte da Guerra ou O Príncipe e estava
fazendo tudo aquilo de propósito para controlar a mim e aos colegas pelo medo.
Deveria fazer alguma coisa, ah sim, isso é verdade. Mas o que eu deveria fazer?
Vejamos.
Liguei para a sala dele e disse que para a
secretária que eu era o assessor de um amigo de infância e colega de profissão,
de outro estado é claro. Inventei uma história cafona, até bonita, pena ser
mentira e para a minha surpresa e sorte, a bobona da secretária acreditou e me
passou o endereço exato da casa dele. No final de semana fui a casa do meu avô,
uma sítio, fui até o celeiro e vasculhei umas prateleiras altas, achei uma
caixa de metal e ela estava lá, escondida, desde o meus 14 anos, que foi quando
meu avô me mostrou o que era e onde a guardava. Não queria que ninguém visse ou
soubesse daquilo, usasse somente, quem sabe em um estado de sítio. Tudo bem.
Na segunda feira, durante a tarde, inventei
uma dor de cabeça, peguei um atestado médico e liguei avisando que não
compareceria no turno da noite. Às seis horas da tarde fui à sua casa, numa rua
bucólica de um bairro clássico de Goiânia, logo o vi virando a esquina e me
escondi atrás de um cinematográfico arbusto do vizinho. Ele se aproximou do
portão, enquanto procurava as chaves naquela pasta cheia de documentos imorais,
me aproximei tão silenciosamente como um gato de rua em busca de uma barata de
esgoto. Seus olhos ficaram arregalados, quando lhe encostei a revólver e disse
para não fazer escândalo algum, abrir o portão e entrarmos sutilmente. Ele, que
sempre soube que entre ele e eu existia uma diferença de poder gigantesca, tanto
é que ele aproveitou disso para me chamar de vagabundo e me fazer dever à
praça, obedeceu e com movimentos lentos, mas aflitos, abriu o portão, entrou
junto comigo e o fechou.
O portão trancado, afastei-me e o mandei
seguir e abrir a casa, ele foi até a porta dos fundos e abriu. Entramos pela
área de serviço, abrimos a porta da cozinha, arrumada e limpa, com algumas
panelas de aço sobre a pia. Devo ser sincero e confessar que naquele momento
pensei em me arrepender, parar com tudo aquilo e dizer que eu só queria
conversar, aquela cara de queijo branco era de cortar o coração. Bem, mas me
lembrei que aquilo era uma cascavel como diz a cultura popular, um lobo em pele
de cordeiro, que me agradeceria pela piedade, diria que me ajudaria, mas que no
entanto logo daria um jeito de mandar a polícia me pegar, fazer todo um terror
psicológico em minha cabeça e me matar assim como em Tropa de Elite.
Tropa de Elite, terror psicológico, barganha,
medo? Tive uma ideia! Mandei-o parar sua marcha fúnebre, caso contrário
soltaria o gatilho e a munição entraria diretamente pelo cérebro dedicado à
maldade dele. Vi aquelas lindas panelas de teflon da Tramontina e disse que ia
atirar, puxei o gatilho e derrubei várias delas no chão fazendo um barulho
enorme. Ele se imaginando ferido fatalmente se jogou ao chão para viver seus últimos
momentos em agonia. Oh, que dó, que dó, que dó, que dó! Chutei-lhe os cocos e
mandei sentar-se na mesa cozinha de frente para mim. Ele me olhou e começou a
falar, para conversarmos, tentar se justificar pelo injustificável! Joguei um
copo de vidro na cabeça, que lhe deixou uma mancha roxa e ligeiramente tonto, e
mandei calar a boca!
Com a arma ainda apontada para ele olhei em
volta, aquela decoração da classe média alta, ou seja, fingindo ser erudita e
cult. Mandei-o o levantar e me mostrar a casa. Ele foi andando a frente,
evidentemente, me falando sobre os retratos de família, sobre as lembrancinhas
de casamentos, batizados, formaturas e inaugurações de hipermercados. O
telefone e tocou e pediu para que atendesse com naturalidade, coloquei o
revolver em sua cabeça e ele começou a falar com sua afilhada calmamente e
dizendo que depois lhe levaria um bombom, mas que naquela hora estava muito
ocupado. Desligou o telefone e me senti meio que em um filme de Tarantino, eis
que começo a assoviar The Killer Song.
Subimos para o andar de cima, ao passar pela
escada perguntei-lhe se já havia assistido Senhora do Destino. Disse-me que era
culto, não gostava de cultura de massas, que dava valor ao conhecimento em
detrimento da alienação. Retruquei perguntando se é valor ao conhecimento quem
corta salário de professor por pura vingança.
Entramos em seu quarto, vários travesseiros
importados enchidos com penas de ganso, presente dos amigos importantes. Mandei
que calasse a boca de um jeito pseudo-sereno, senti o meu sangue ferver! Abri a
penteadeira, quanto perfume caro, peguei o Hugo Boss e disse “Beba isso!”. Ele
me perguntou porque e eu apenas olhei para o frasco e para o rosto dele depois!
Ele bebeu até que vomitou o perfume e tudo mais que estivesse em seu estomago.
Após recuperar o fôlego me disse que viu em uma novela da Glória Perez uma
menina viciada em drogas bebendo perfume em uma crise de abstinência (será que
ele estava falando da Mel de O Clone?). Achei contraditório alguém que não
gosta de novela falar a respeito de uma.
Veio-me o clipe de Rolling In The Deep na
cabeça, pensei que seria divertido jogar pratos contra a parede, mas ao invés
disso, jogar os perfumes dele contra a parede. Então comecei a jogar aqueles
frascos italianos, franceses, ingleses cantarolando a parte do back vocal que
diz sobre desejar nunca ter conhecido o eu lírico da musica da gordinha
inglesa. Olhei para sua cara de tédio enquanto segurava um Yves Saint Laurent e
disse-lhe para ficar na parede na qual eu projetava aquelas fragrâncias
deliciosas. Ele disse me por favor como se fosse um oriental nos filmes do Jack
Chan e respondi dizendo apenas que minha paciência estava acabando. Juro que
até pareceu ensaiado quando o vizinho colocou Rolling In The Deep para tocar
bem alto enquanto eu lhe fazia chorar com a dor, o terror, a aflição e os
sangramentos intensos. Falando assim parece que não foi desumano, mas foi! E o
melhor de tudo é que o álcool dos perfumes lhe fazia arder os sangramentos.
Cansei-me daquilo. Parei e fiquei olhando os
travesseiros! Pulei em pé sobre a cama e comecei a rasgar tudo cantando sobre
os dias de cão enquanto ouvi mentalmente Florence and The Machine. Ele saiu
correndo pela porta, fui atrás no mesmo instante e o vi descendo as escadas,
até o momento que tropeçou e terminou seu trajeto rolando. “Lá lá lá uei lerê lereiiii,
lá lê lerê lerei, é a vida deste meu lugar é a vida”. Parei no alto da escada,
apontei lhe a arma enquanto eu o via gemendo de dor e falei sobre a música de
abertura de Senhora do Destino, novela na qual Nazaré Tedesco matava seus
inimigos derrubando-os na escada.
Desci e outra vez cantarolei Encontros e
Despedidas. Perguntei-lhe onde estava o Dorflex e ele me respondeu que na
cozinha. Mandei ficar de pé se não houvesse quebrado nada. Fiz assim para lhe
dar alguma esperança. Ele levantou-se e mandei subir a escada e ele perguntou
sobre o Dorflex, respondi que ele não precisará mais. Ele subiu e eu logo
atrás. Disse-me que precisava ir ao banheiro, como se eu não tivesse
desconfiado que ele temia que eu o derrubasse na escada. Ele entrou no banheiro
e eu fui logo atrás. Olhamos juntos o espelho, ele abriu a torneira, fechou os
olhos ensanguentados e dei-lhe uma coronhada na cabeça. Ao desequilibrar-se, bati
a cabeça dele quatro vezes no espelho do lavatório, na segunda e quarta
consegui danificar o nosso reflexo, além de seu rosto mais do que nunca. Parei
para respirar e quando ele abriu a boca para me dizer algo acertei-lhe o nariz
na torneira de R$1200,00 comprada na Leroy Merlin, conforme disse-me um
conhecido que temos em comum. Dentro da bacia do lavatório notei três
fragmentos brancos, eram dois incisivos e um canino.
Parei para respirar, nunca havia feito aquilo
e sentia um misto de ódio efervescente, desses que queima todo nosso corpo
tamanha a ira, com felicidade porque não sabia que coisas de filme e novela
pudessem dar tão certo. Olhei para o vaso sanitário e disse que lhe daria uma
aula de Geografia ao explicar sobre o Efeito de Coriolis. Ele estava quase
desacordado arrastei-lhe até a beirada do vaso e bati-lhe a testa na quina. Ele
conseguiu segurar-me pelos cabelos, enfiei sua cabeça dentro da louça, apertei
da descarga e vi o azulado do desinfetante tornar-se roxo devido o sangue
vermelho que ia surgindo por ali. Meus cabelos doíam muito, mas permaneci firme
por segundos, até a hora que ele realmente começou a lutar pela vida! Puxei-lhe
e bati sua cabeça outra vez, desta vez na parede. Afastei-me, peguei a chave do
banheiro, a arma e o tranquei naquele ambiente. Atirar nele definitivamente eu
não teria coragem, mas deveria matá-lo logo.
Desci até a cozinha, peguei algumas das
panelas, enchia-as de água e levei-as ao fogo. Procurei na área de serviço algo
que pudesse amarrá-lo, no entanto não existia. Peguei uma faca e cortei os varais,
feitos com cordas de nylon. Peguei um pano de prato na cozinha e subi com as
cordas para o banheiro, cuidadosamente destranquei a porta, ele estava no chão,
havia sujado inclusive as toalhas Buddemeyer com seu sangue corrupto, vingativo
e nojento do sudoeste de Goiás. Estava fraco e agonizando.
Embora tivesse levado vários golpes, um deles
me deixou o nariz sangrando, consegui amarrar-lhe as mãos e os pés e amordaçar
lhe. Arrastei para fora dali, usando as técnicas de imobilização que aprendi no
curso de primeiros socorros, levei-o até o topo da escada, de onde o joguei, a
despeito de seus grunhidos de dor e desespero. Diz o ditado que vaso ruim não
quebra, e realmente não quebra. Ele permanecia vivo e respirando. Novamente o
arrastei até a cozinha.
Parei, sentei-me na cadeira. Olhei tudo e
volta e pensei que estivesse louco e em um pesadelo. Como assim, eu matando uma
pessoa? Eu seria preso, não porque este país é justo, mas sim porque matei o
colega dos meus algozes porque esse tal colega ter me filha da putado. Lembrei-me
do contra cheque, das suas falas na televisão, dos jornalistas comprados por
ele. Vagabundo. Joguei as panelas com água quente sobre o seu corpo e ele grunhia,
gritava, debatia, fugia feito um minhôco para longe de mim e daquela água efervescente
do chão. Em vão, pois eu lhe fazia um franco pele vermelha derrubando a calda a
100° C. A água acabou, sua pele estava bem vermelha e ele conseguiu me xingar
de viado.
Fui à área de serviço e enchi uma bacia com
água, o arrastei até ali e ele parou de se mexer. Acho que teve um desmaio,
aproveitei e enfiei a cabeça dentro da água e vi sair bolhas de ar de sua boca ensanguentada.
Continuei, ele voltou a se debater e eu me mantive forte, segurei sua cabeça
continuamente dentro da água por uns dez minutos, mesmo após ele não se mexer e
nem sair mais bolhas. Pensei então, missão cumprida. Mas lembrei-me que ele me
chamou de viado, abri-lhe a calça e assim como em Tropa de Elite eu enfiei a
vassoura e também o rodo, o esfregão e a pá de lixo, juntos! Fui ao jardim e
para fechar com chave de ouro, eu trouxe a mangueira, enfiei no conjunto e abri a torneira fazendo lhe uma chuca permanente.
Revirei seu quarto, procurei os dólares, os
euros, o dinheiro, joias e relógios, tomei um banho. Peguei minhas coisas e fugi
em seu carro até uma cidade da fronteira, localizada no estado vizinho.
Abandonei o carro, viajei de ônibus até Chile, atravessando o Paraguai. Em
Santiago embarquei para Madrid, comprei um notebook e viajei no dia seguinte
para Pequim, de onde embarquei para onde estou atualmente, o Tibet. Como já
estou ciente que Interpol virá me buscar, amanhã mesmo me mando daqui e escrevo
uma carta para a Anistia Internacional suplicando proteção.
P.S.: É evidente que isto é uma obra de
ficção, mal feita diga-se de passagem. Mas uma maneira de expelir meu ódio e
minha indignação pelo secretário da educação de Goiás, Thiago Peixoto, e o
governador do estado, Marconi Perillo, a minha vítima, terem cortado meu ponto
por uma greve que é justa e legal e que por isso a lei proíbe corte salariais. Isto, portanto, é uma obra de humor e prefiro que permaneça assim.
caraca! mal escrito? claro q eu sabia ser uma ficção, mas a cada linha a tensão aumentava ... muito bom cara ... muito bom mesmo...
ResponderExcluir